domingo, 23 de agosto de 2009

Doutor, será cotone, será?

Por Gilvano Amorim Oliveira
Esta foi uma pergunta que ouvi no consultório de uma mãe aflita e preocupada com a saúde ocular de sua filha adolescente. Levei um tempinho para descobrir que aquela senhora queria minha opinião acerca da possibilidade de sua filha portar uma doença chamada “Ceratocone”. Aquele episódio me foi tão emblemático que resolvi dedicar este artigo para comentar esta interessante patologia corneana, que é mais comum do que se pode imaginar. A córnea, o vidrinho de relógio do olho, é um dos mais intrigantes tecidos de nosso corpo. Mesmo sendo um tecido vivo, se apresenta como uma interface transparente com um alto poder de lente, de tal forma que, aliada à lente cristaliniana, consegue nos fazer focar diretamente em nossa retina os objetos que enxergamos. A córnea é sede de uma série de problemas cuja marca comum é a redução de nossa capacidade de visão. Se sua esfericidade se mostrar imperfeita por uma irregularidade de seu relevo, teremos a manifestação de um erro refracional chamado astigmatismo. Se houver aumento de seu raio de curvatura, em um milímetro por exemplo, teremos manifestação de miopia de cerca de dez graus. As perturbações na espessura da córnea ou em sua transparência também são responsáveis por significativa perda visual. O ceratocone é uma doença caracterizada pela conformação cônica da córnea em detrimento de sua esfericidade. Este desenho traz dois problemas. Em primeiro lugar, nos faz míopes pelo distanciamento dos pólos anterior e posterior do olho. Para que se tenha uma idéia, um distanciamento de apenas um milímetro gera uma miopia de cerca de três graus. Em segundo lugar, o cone corneano ocupa de modo descentralizado o ponto central de nosso sistema óptico, o chamado eixo visual. Às custas desta descentralização, as imagens são percebidas pelas “paredes” do cone e não apenas por seu ponto central. Este fenômeno leva a uma distorção visual tão importante que nos casos mais avançados não é possível se conseguir visão de qualidade com uso de óculos, obrigando o uso de lentes de contato ou até mesmo a indicação de um transplante de córnea. Não se conhece ao certo as causas que permitem o desenvolvimento do ceratocone, mas certamente aspectos genéticos e hereditários estão envolvidos. O gene p 153 tem sido indicado em algumas publicações científicas como relacionado ao ceratocone. Considera-se hoje que a córnea que desenvolve ceratocone tenha alguma predisposição e que aspectos ambientais permitem o desenvolvimento da doença a partir desta predisposição. Sabe-se também que hábitos como a coçadura dos olhos, processos inflamatórios de superfície ocular como a alergia ocular, doenças sistêmicas como asma, rinite e doença ovariana policística de alguma forma devem estar relacionados à ocorrência de ceratocone. A incidência em ambos os sexos é muito assemelhada, mas as mulheres são um pouco mais acometidas. O pico do aparecimento do ceratocone se dá na puberdade, o que pode ser um indício de sua etiologia hormonal.
As manifestações do ceratocone dependem de seu estágio. Os quadros iniciais se manifestam por pequena dificuldade visual para longe. Com o avançar do problema esta dificuldade se mostra maior, sendo necessário adotar uma correção. Nos casos mais avançados há dificuldade de se enxergar para longe e perto, com perda produtiva do indivíduo. Note-se que, como o pico de incidência se dá na puberdade, grande é o impacto desta perda produtiva por acometer o paciente em momento de auge de sua projeção educacional e até profissional. No próximo artigo descreveremos as formas de corrigir a visão de um paciente portador de ceratocone e como se escolhe as várias opções terapêuticas disponíveis atualmente. Até lá! E se isto tudo é muito novo para você, diga muito prazer em conhecer mais uma: o ceratocone!

Ceratocone II - Tenho ceratocone. E agora?

Em nosso último artigo conversamos sobre ceratocone, a natureza da doença e suas manifestações clínicas. Para recordarmos, é bom que se diga que o ceratocone é uma doença que acomete a córnea, o vidrinho de relógio do olho, e a encurva na forma de um cone microscopicamente apiculado, daí seu nome. A acuidade visual dos pacientes acometidos fica muito prejudicada, particularmente para a visão à distância. Vamos conversar hoje sobre o que fazer diante do diagnóstico desta doença. Em primeiro lugar, para os casos mais leves, indicamos o uso de óculos. Para os pacientes com doença um pouco mais avançada, as lentes de contato surgem como uma opção muito interessante. No passado indicávamos exclusivamente lentes rígidas diante de um caso de ceratocone, mas o advento de modernas lentes gelatinosas que atendem às necessidades das córneas cônicas nos tem feito optar pelas últimas, dado o conforto para o paciente. Com o eventual avançar do problema, o cone corneano não mais permite estabilidade refracional nem física para a lente de contato. Nesta hora o implante de um anel intra-corneano pode devolver certa estabilidade de superfície e permitir de novo o uso de lentes. As lentes rígidas levam mais tempo para perderem esta estabilidade, de forma que podem ser uma “carta na manga” diante da desadptação das gelatinosas. Se a evolução persistir ou se no curso do ceratocone houver perda da transparência da córnea, seu transplante se impõe. O transplante de córnea é uma forma definitiva de tratamento do ceratocone, mas traz complicações, das quais a mais séria é o risco sempre presente de rejeição e depende naturalmente da obtenção de uma córnea de um doador. Recentemente surgiu uma alternativa que nos parece bem alvissareira aos portadores de ceratocone. Trata-se do X-link ou Crosslinking, que é um tratamento moderno que consiste na aplicação de luz ultravioleta na presença da riboflavina (vitamina B2) após raspagem superficial da córnea sob anestesia local, causando assim um meio de ultra absorção da vitamina. A luz ultravioleta ativa a ação da riboflavina sob as fibrilas de colágeno da córnea que se encontram distendidas no ceratocone. Esta ação leva à contração destas estruturas e a córnea perde a disposição cônica imposta pelo ceratocone. O efeito desta reparação anatômica é a devolução de uma visão nítida muitas vezes sem uso nem mesmo de óculos e dura entre cinco e dez anos. Pena é que, como toda tecnologia moderna, o Crosslinking surgiu em nosso meio por um custo quase proibitivo. Note-se pois que, embora o ceratocone acometa as pessoas no auge de seu potencial de desenvolvimento pessoal, existem bastante alternativas de forma que não mais se justifica sofrer nos meandros da baixa visão diante de uma córnea que se encurvou.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Os lindos e bem cuidados olhos encantam...


Por Gilvano Amorim Oliveira

Uma das mais admiráveis habilidades do time feminino é a capacidade multifuncional simultânea. A mulher moderna deixou os sítios domésticos como atividade exclusiva e da roda do fogão chegou aos pícaros profissionais, dantes exclusivos dos homens. A sociedade, no entanto, exige da mulher preço muito mais alto para suas atuações externas que em relação aos homens. Exige-se da mulher moderna que não deixe suas atuações originais de dona de casa e poucos são os machões que compartilham com elas de igual para igual as atividades comuns do lar, o que é justo, já que ela compartilha com ele o afã de ganhar o pão de cada dia. Elas precisam fazer várias atividades ao mesmo tempo. Imagine só alguém ao celular enquanto o telefone fixo toca, o cheirinho típico avisa que é hora de tirar do fogo aquela guloseima que é seu melhor prato, os ponteiros do relógio giram incansavelmente, e é hora de seu banho, mas o filhinho resolveu em choro estridente cobrar a atenção que ainda não recebeu hoje, a empregada empaca aguardando ordens e o filho mais velho estica o caderninho para a conferencia das tarefinhas da escola. Cansamos só de pensar, mas é incrível como elas conseguem! Além da atuação em casa e no mercado de trabalho, a mulher não pode abrir mão de dois aspectos que lhe são quase condição “sine qua non” da feminilidade: a beleza e a magreza! Trocadilhos poéticos à parte, magreza foge à proposta deste artículo, mas a beleza deve receber um pouco de foco de atenção. Dentre os apetrechos e produtos deste embelezamento, a maquilagem facial se destaca. Maquiados, os olhos podem expressar jovialidade, personalidade e feminilidade. No esforço de manifestar estas características, eles são fustigados a peso de sombra, lápis e rímel, muitas vezes sem preocupações com cuidados básicos. Apresentar estes cuidados é a principal intenção deste texto.
Em primeiro lugar, não vamos condenar o uso de cosméticos na área dos olhos. Convenhamos que o realce que ele permite é bem legal no conjunto da maquilagem facial. Há que se lembrar, como regra áurea, que os produtos devem ser de qualidade. Infelizmente o preço é um excelente juiz da qualidade. A mulher deve desconfiar de produtos muito baratos, pois o custo final, incluindo medicamentos para correção de eventuais lesões, pode ser bem mais alto que o valor que se pede por produtos de marcas consagradas. Na penteadeira de nossas mulheres não deve faltar um bom make up para a limpeza palpebral. Na falta de um produto específico, o uso de xampus neutros para recém nascidos diluídos em água morna na razão de 1:5 e friccionados com cotonetes na borda palpebral pode ser uma excelente e barata alternativa. Jamais se pode dormir maquiada, por mais que a noite tenha sido cansativa ou que o avançado das horas traga o peso palpebral do sono incontrolável. Ainda que na manhã seguinte se exija apresentação impecável, não se pode “aproveitar” a maquilagem do dia anterior. O conjunto de materiais para maquilagem deve ser deixado em lugar seco e livre de temperaturas elevadas e seu compartilhamento é proibido. Há que se dizer que pode haver contaminação particularmente do lápis e transmissão de agentes patológicos como os vírus causadores de conjuntivite dentre as que o compartilham. Por falar em conjuntivites, diante de qualquer processo irritativo, o uso de cosméticos palpebrais deve ser imediatamente suspenso e uma avaliação de profissional oftalmologista buscada. Embora não seja comum, estes mesmos produtos podem desencadear processos alérgicos, para o desespero de quem deverá ser submetida a tratamento e amargar sua apresentação ao natural sem maquilagem. Sempre nos perguntar acerca do uso simultâneo de lentes de contato e maquilagem. A dispensa dos óculos e a escolha de lentes de contato podem levar em conta, dentre outros aspectos, a questão estética. Não apenas os óculos “matam” os esforços do maquiador facial, quanto as lentes ficam perfeitas nestes casos. Devemos nos lembrar de primeiramente colocar as lentes antes da maquilagem, a fim de evitar carrear para eventuais detritos dos produtos cosméticos.
Do ponto de vista técnico, não há grandes limitações em relação ao início do uso de maquilagem na área dos olhos. Cada vez mais cedo as meninas querem aderir à moda, mas pensamos que é extravagante, precoce e arriscado antes dos dez anos. Extravagante por roubar da criança aquele ar pueril tão peculiar, precoce por imprimir nelas o modelo de pequena mulher adulta e arriscado por não terem nesta idade maturidade bastante para tomar os cuidados necessários. Uma pergunta muito comum na prática clínica é como conseguir se maquiar depois dos 45 anos, quando nossa capacidade visual declina para perto. Diante do espelho os óculos de leitura são um estorvo sem o qual, no entanto, não se tem precisão para acertar, por exemplo, a borda palpebral. Nossa orientação é o uso de “óculos para retirada de sobrancelhas”. Estes dispositivos têm uma lente positiva, de 1, 2 ou 3 graus comumente, que gira diante de um olho e outro. Com a lente no olho direito se maquila o esquerdo e invertendo-se o direito pode ser embelezado. Para finalizarmos, há que se dizer que é mito pensar que maquilagem faz diminuir a visão, piora o olho seco, faz crescer pterígio ou provoca o aparecimento de catarata. Dentre estes equivocados pensamentos, destacamos a questão do olho seco. Olho seco é uma entidade clínica que se caracteriza pela perda da capacidade de lubrificação de nossa lágrima. Como afirmado acima, maquilagem não é causa de olho seco, mas devemos nos lembrar que diante de um olho seco já instalado, a maquilagem pode agravar momentaneamente a sensação de sequidão ou perda de lubrificação. É isto aí mulher! Com algum conhecimento e adotando alguns cuidados básicos, você pode ser cada vez mais bela em sua labuta multifuncional ou simplesmente nas aparições no melhor estilo da perfeição que Deus te deu!